Sanfoneiro Mário Zan sofre parada cardíaca e morre em SP
O sanfoneiro Mário Zan, 86 anos, morreu às 20h30 desta quarta-feira. Ele estava internado no hospital Sorocabana, no bairro Lapa, em São Paulo, com problemas no estômago e no coração. O músico, que respirava com dificuldades há mais de 15 dias, sofreu três paradas cardíacas. O compositor e instrumentista foi amigo e parceiro de Luiz Gonzaga - segundo o "rei do baião", o posto de "rei da sanfona" pertencia a Mário Zan.
Natural da Itália, Mario Giovanni Zandomeneghi tem mais de mil músicas autorais gravadas. Entre elas, Os Homens Não Devem Chorar, de repercussão internacional, que acumula mais de 200 interpretações em toda a América Latina, Estados Unidos, Portugal, França, Alemanha, China e Japão.
De seu repertório, 36 músicas foram regravadas por intérpretes brasileiros como Roberto Carlos, Sérgio Reis, Almir Satter e outros.
Mario Zan é conhecido em todo o Brasil como o maior solista de festas juninas de todos os tempos. Suas canções mais populares da comemoração paulista são Quadrilha Completa, Balão Bonito e Noites de Junho ou Pula a Fogueira.
A postagem abaixo é uma materia que conta a trajetoria deste maravilhoso rei da sanfona.Uma justa homenagem do blog Viola Enluarada.
(A materia foi publicada no site www.terra.com.br)
Mario Zan, o soberano da canção popular na sanfona
Sexta, 21 de junho de 2002
A vida artística para Mario Zan obedece a uma filosofia que ele resume numa bem conhecida expressão popular: "O sol nasce para todos." Assim ele fala de sua relação com os colegas sanfoneiros ilustres como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca e outros com quem diz ter convivido num espírito de amizade e camaradagem. A frase, no entanto, revela muito da personalidade desse sanfoneiro italiano que se tornou um dos artistas brasileiros mais genuínos.
Aos 82 anos, Mario se mostra como uma figura extremamente simpática e bem-humorada, que cativa assim que começa a fazer piada com cigarro, seu vício de sete décadas. Depois de listar os males do fumo, garante que está empenhado em largá-lo definitivamente.Os cabelos tingidos de preto e seu jeito meio interiorano não denunciam a idade.
Mario também não aparenta o que realmente é: um dos grandes compositores populares do século XX no Brasil, autor de algumas dezenas de sucessos entre as mais de cem músicas que compôs com sua inseparável sanfona. De seu repertório, 36 músicas foram regravadas por intérpretes brasileiros como Roberto Carlos, Sérgio Reis, Almir Satter e outros.
Entre os sucessos, destacam-se Segue Teu Caminho, Chalana, Festa na Roça, Bicho Carpinteiro, Trem de Ferro, Nova Flor - mais conhecida como Os Homens Não Devem Chorar - e Quarto Centenário, feita em homenagem ao aniversário de São Paulo.Pelo menos duas composições de Mario Zan ultrapassaram há muito as fronteiras brasileiras: Chalana, em parceria com Arlindo Pinto ("Lá vai uma chalana/Bem longe se vai/Navegando no remanso/Do rio Paraguai/Oh, chalana sem querer/Tu aumentas minha dor/Nestas águas tão serenas/Vai levando meu amor") e Nova Flor, mais conhecida como Os Homens Não Devem Chorar.
A primeira, apesar de gravada desde a década de 1940, voltou a fazer sucesso como tema da novela Pantanal, da Manchete, em 1990.Os Homens Não Devem Chorar acumula gravações de mais de 200 intérpretes em toda a América Latina, Estados Unidos, Portugal, França, Alemanha, China e Japão. Em inglês, ganhou o título de Love Me Like a Stranger. Na Alemanha, o cantor Howard Carpendale também regravou a música no CD Fremde oder Freunde, com acompanhamento de uma respeitável orquestra. A canção atingiu o primeiro lugar nas rádios logo após seu lançamento. Mas foi em toda a América Latina que Os Homens Não Devem Chorar arrebatou lágrimas masculinas.
O autor estima em mais de 200 os registros fonográficos - principalmente no México, onde Los Hombres No Deben Llorar ajudou Pedro Fernández a vender mais de 2 milhões de cópias de um único CD. No Brasil, virou tema musical da primeira versão da novela Pecado Capital, da Globo, de 1976.Seu grande sucesso brasileiro, porém, será sempre Quarto Centenário, feita para celebrar a fundação de São Paulo, em 1954, e que virou hino da capital paulista. O disco vendeu 1 milhão de cópias em poucos meses e se tornou um marco na discografia nacional.
Dizia-se na época que a marca superou de longe o número de vitrolas em funcionamento no país. Até quem não tinha o aparelho levou uma cópia para casa. Outros compraram mais de uma cópia, já que os 78 rpm quebravam com facilidade. E o disco continua em catálogo: acumula 10 milhões comercializados desde que surgiu em 78 rpm - depois reeditado em LP e na versão CD. A música chegou a ser gravada por uma das grandes bandas de jazz dos Estados Unidos, a Miami Jackson Band.
Com mais de 40 CDs gravados - 30 deles em catálogo -, Mario Zan continua a vender bem. Em média, 600 mil discos por ano - entre 80 mil e 100 mil somente durante o mês de junho. Sua discografia inclui cerca de 300 discos em 78 rpm, 105 LPs, além dos CDs, num total de mais de mil gravações não repetidas. Sua popularidade se deve principalmente ao fato de Mario Zan ser mais identificado em todo o Brasil como o maior solista de festas juninas de todos os tempos. Uma reverência feita por ninguém menos que Luiz Gonzaga.
Sua contribuição maior para a festa junina, além de três dezenas de composições, foi ter lançado em disco uma série de marcações para quadrilhas. Funciona mais ou menos assim: antes de começar a tocar, ele conversa com os ouvintes que vão participar da quadrilha, organiza os pares por sexo e lugar e passa a tocar, ao mesmo tempo em que coordena a apresentação. Um de seus sucessos no gênero é Festa na Roça, em parceria com Palmeira, que se tornou um clássico indispensável para quadrilha junina. Enfim, onde tem São João, Mario Zan está presente de alguma forma. Mesmo assim, o sorridente sanfoneiro dispensa o rótulo de Rei da Quadrilha.
Não pega bem, parece coisa de mafioso, justifica. Uma mostra de seu repertório do gênero será apresentada neste sábado, no especial do Viola, Minha Viola, de Inezita Barroso, que a Rede Cultura exibe amanhã, dia 22, às 22h, com reprise no dia seguinte, às 9h. A participação no programa da Cultura é uma rara exceção na rotina do sanfoneiro nas duas últimas décadas. Mario não costuma ser convidado para aparecer na televisão. Até o ano passado, manteve por dois anos um programa no canal católico Rede Vida, aos domingos, Mario Zan e seus Convidados.
Ele atribui a falta de interesse em suas performances à perda de prestígio dos solistas. Nada pessoal, portanto. Como explicar, então, tamanha popularidade para vender tantos discos? Ao responder à pergunta, ele finalmente deixa a modéstia de lado. Tal fato ocorre porque suas canções não são cantadas, apenas tocadas. Por isso, não têm época, não caem de moda. "Virei catálogo, estou entre aqueles que alcançaram um nível que não caem mais", diz em tom de brincadeira.
Música solada
Pela sua teoria, a música solada permite que o ouvinte faça outras coisas enquanto a ouve. Já a cantada exige atenção. Se a mídia lhe torce o nariz, Mario Zan não cobra reconhecimento. Seu nome e retrato estão expostos no Museu de Artes de Frankfurt, Alemanha, ao lado de grandes instrumentistas de todos os tempos. Sua presença está justificada como o "acordeonista mais sentimental de todos os tempos". Na Cidade do México, já recebeu diversas homenagens devido ao sucesso de suas músicas naquele país.O público também não esquece. Além de vender bem, ele faz em média cinco apresentações mensais.
Convites para mais não faltam, mas ele explica que seria muito cansativo. Cada show rende um cachê de R$ 5 mil. O sanfoneiro não se sente à vontade em falar o valor e ressalta que inclui os músicos que o acompanham. Como se o cachê fosse elevado demais. Não imagina que pagodeiros, sertanejos e cantores de axé music chegam a embolsar R$ 70 mil por show, sem incluir os músicos. Enfim, que a quantia é mínima para seu talento e representatividade na música popular.O marco inicial da trajetória de Mario Zan foi o baile de casamento que animou sozinho quando tinha apenas 10 anos de idade. Feitas as contas, são quase 75 anos de estrada e 60 de sua estréia no rádio paulista.
Mario João Zandomeneghi nasceu em Veneza, na Itália, em 1920. Seus pais vieram para o Brasil quando ele tinha 4 anos, em 1924. Estavam cansados de muitas guerras e queriam uma vida melhor para os filhos. José Zandomeneghi trabalhava em olaria e plantação de uva. Ema Carmelo era dona de casa. A família se estabeleceu em Santa Adélia, próximo a Catanduva.Zandomeneghi foi trabalhar como lavrador.
Desde cedo, como havia sempre festas ao longo do ano, seu filho Mario não desgrudava o olho dos sanfoneiros - uma presença sagrada como animadores. Eram ritmos como rancheira, polca, arrasta-pé, valsa e balanceio (baião) que haviam se tornado uma tradição no interior do país. Aos 6 anos, o menino convenceu o pai a lhe comprar uma pequena sanfona, da qual não se desgrudou mais. Aprendeu a tocar sem professor e fazia isso durante horas todos os dias.
Ficou tão afiado que, aos 10 anos, animou um baile de casamento.Naquele tempo, conta Mario, o sanfoneiro cantava em cima de uma mesa para poder espalhar melhor o som, já que não havia amplificadores. Era uma mesa grande e firme e ele garante que nunca perdeu o equilíbrio ou caiu. Sua breve carreira mudou de rumo quando a família se mudou para a capital paulista. Se ficou sem os trocados dos bailes, Mario encontrou um outro mundo de possibilidades que compensava o sacrifício.
Encontrou uma cidade em processo de industrialização frenética e uma novidade que poderia mudar sua vida: o rádio. Estava mais disposto do que nunca a seguir a carreira de solista, apesar de saber que o centro da música estava no Rio, não em São Paulo.Um fenômeno musical recente estimulou o instrumentista a apostar na música de temática junina como parte principal de seu repertório. O mercado fonográfico brasileiro começava a descobrir que as festas juninas poderiam ser um lucrativo contraponto às altas vendas que alcançava no período carnavalesco, de dezembro até a folia de Momo em fevereiro ou março.
E o melhor: os dois gêneros não competiam entre si. Assim, ao longo da década de 1930 e da seguinte, compositores criaram marchinhas juninas que seriam gravadas por grandes astros da música popular e incorporadas às festas de junho, assim como muitos fizeram para o carnaval.Um desses compositores era Assis Valente, um mestre em criar sucessos, que buscou referências de sua infância no interior da Bahia para fazer clássicos como Cai, Cai Balão, gravado por Aurora Miranda e Francisco Alves em 1933; Olhando o Céu Todo Enfeitado e Mais um Balão, ambas de 1935, interpretadas por Francisco Alves.
Em São Paulo, aos 14 anos
Outros nomes importantes do gênero foram Lamartine Babo (Chegou a Hora da Fogueira e Isto é Lá com Santo Antônio), Ari Barroso (Sobe Meu Balão) e outros. Além de Francisco Alves, Carmen Miranda emplacou vários sucessos (Sonho de Papel), inclusive em dupla com Mario Reis (Chegou a Hora da Fogueira e Isto é Lá com Santo Antônio). A maioria dessas marchinhas passou a fazer parte dos shows de Mario. Afinal, tocava o que o povo pedia. Em São Paulo, aos 14 anos, ele foi aprender música com o maestro Ângelo Reale "para saber o que estava fazendo". Ao mesmo tempo, começou a animar bailes e matinês na periferia da capital e cidades próximas - às vezes, fazia até quatro apresentações por dia.
Mario Zan tocava de tudo - até mesmo o tango e o choro. A primeira oportunidade para se apresentar no rádio aconteceu na Educadora Paulista, atual Gazeta. Participou do programa de calouros "Peneira Roldini" e levou o primeiro lugar com o choro Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu), acompanhado do Regional de Zé da Pinta.O diretor artístico da Tupi, Armando Bertoni, ouviu sua performance, gostou e deu ao garoto meia hora para se apresentar na emissora. O primeiro emprego, no entanto, só conseguiu na recém-inaugurada rádio Bandeirantes, que funcionava na movimentada rua São Bento, centro de São Paulo.
Ao chegar, conheceu Walter Foster, futuro galã da televisão, que lhe fez um favor: ao ouvir o nome do jovem sanfoneiro, perguntou-lhe quem iria decorar aquele nome e simplificou-o para Mario Zan. "Esse sim, é um nome forte!", teria dito Foster. Na mesma emissora, o instrumentista era identificado como "O sanfoneiro que brinca com a sanfona". Em seguida, teve uma breve passagem na Nacional paulista, onde acompanhou a dupla de comediantes Palmeira e Piraci.Como o Rio de Janeiro era o centro cultural e político de tudo - inclusive das gravadoras e emissoras de rádio -, Mario Zan juntou uns trocados e resolveu se aventurar na capital federal.
Procurou César Ladeira, diretor artístico da Mayrink Veiga. Sem nada conseguir com Ladeira, Mario decidiu volta para São Paulo. Enquanto esperava por uma chance, se hospedou no Hotel Real, pertencente a um português que teve uma breve carreira como cantor e adorava fazer saraus em sua hospedaria, animados com guitarra portuguesa. O dono do hotel se encantou com o sanfoneiro ítalo-paulista. Tanto que tentou convencê-lo a permanecer no Rio e só pagar o quarto quando recebesse.
Pouco antes de partir, seu caminho se cruzou com um outro sanfoneiro, um pernambucano que começava a abrir espaço no rádio carioca: Luiz Gonzaga. Os dois foram apresentados pelo paulista Ângelo Sindona, conhecido como Rei da Alface, pois abastecia toda a capital carioca com legumes que trazia de seu Estado. Sindona e Mario se hospedavam no mesmo local e ficaram amigos. Certo dia, ao saber do desânimo do vizinho de quarto, Sindona o levou a uma pensão no Catete para conhecer Gonzaga.
"Toquei algumas coisas e ele me cobriu de elogios. Ele era uma pessoa muito boa, sempre tentando ajudar os colegas." Quando Mario falou que ia desistir do Rio, Gonzaga teria dito que aquela idéia estava fora de cogitação e que, em vez disso, ele começaria na semana seguinte como seu substituto no Samba Dance.Gonzaga explicou que, como o dono da boate estava abrindo uma nova pista de dança, "Farolito", ele cuidadora da filial e Mario ficaria no seu lugar.
"Não havia rivalidade com ele, como nunca houve comigo, cada um fazia o que sabia e, se não sabia, não devia atrapalhar." O Samba Dance tinha um sistema curioso de funcionamento: os homens pagavam por cada música dançada. Para isso, levava um cartão que era perfurado por um fiscal, sempre que começava uma nova música.O horário de Mario ia das 22h às 4h da manhã. Como o dinheiro era pouco, ele fez um teste para se apresentar por uma temporada no Cassino Atlântico, em Copacabana.
Ganhou a vaga e o apelido de "Moleque da Sanfona". De lá, se mudou para o Quitandinha, de Petrópolis. Até que recebeu um convite para tocar durante as férias nas estações balneárias de Cambuquira, São Lourenço, Lambari e Caxambu. Com o fim da temporada nos cassinos, decidiu voltar para São Paulo, foi convidado pelo trio Nhô Pai (autor de Beijinho Doce), Nhô Fia e Capitão Furtado para acompanhá-lo numa excursão por cinemas do interior do Brasil que pertenciam à rede Paducci, dona de pelo menos 50% das salas de São Paulo, Minas e Mato Grosso.
Sofrimento e saudade
Paducci sempre assistia à primeira apresentação de todos os artistas que fariam turnês em seus cinemas. Se gostasse liberava os shows. Se sentisse prejuízo à vista, suspendia a programação ali mesmo. Durante três meses, o quarteto do Capitão Furtado percorreu dezenas de cidades do Sudeste e Centro-Oeste do país. Nessa mesma excursão, compôs uma de suas primeiras músicas, Chalana, que nasceu sem letra. Ele conta como aconteceu. "A canção surgiu do nosso sofrimento durante a excursão, da saudade que sentíamos, sem notícias da família." A inspiração veio em Corumbá, da janela onde Mario ficou, no hotel São Bento, às margens do Paraguai.
A primeira gravação em disco de Mario foi realizada no ano de 1944 pela gravadora brasileira Continental. Naquele tempo, segundo o sanfoneiro, o músico ou cantor precisava ser muito conhecido no rádio para que tivesse uma oportunidade para gravar. O disco só vinha a partir de uma pesquisa informal de mercado: os vendedores diziam para os representantes das gravadoras quais os cantores não gravados que os compradores mais procuravam.O 78 rpm de estréia de Mario trazia a valsa Namorados e El Choclo, um tango argentino antigo, em ritmo de rancheira. Seu primeiro grande sucesso foi Segue seu Caminho, em parceria com Arlindo Pinto, que seria gravado depois por Solon Sales. Mais uma vez, Luiz Gonzaga ajudou o amigo.
Como Mario vendeu muitos discos em 1946, Gonzaga sugeriu que o contratassem para ocupar seu lugar de solista na gravadora RCA Victor, onde gravaria mais de 300 discos 78 rpm e mais de 40 LPs. Posteriormente, passaria pelos selos Bervely, Copacabana, Chantecler, RGE e Fermata, entre outras.A indicação de Luiz Gonzaga teve a ver com uma mudança em sua carreira que ocorria naquele momento. O pernambucano começava uma bem-sucedida experiência como cantor de suas músicas.
Sobre essa transformação, Mario conta que acompanhou tudo de perto. Segundo ele, durante uma apresentação, Gonzaga decidiu brincar com o público e cantou Chamego Dá Prazer, recém-gravada por Carmen Costa. Até então, ele era apenas solista. "O baião começava a aparecer, a voz de Luiz era ruim, mas tinha certa graça." Vitório Lotari, diretor da RCA, estava na platéia e deu uma ordem a Lula: cantar a música em seu próximo disco.A explosão de Mario Zan aconteceu em 1954, durante as comemorações do quarto centenário da fundação da cidade de São Paulo, quando homenageou a data com seu hino homônimo.
Nesse momento, com a consagração do baião de Luiz Gonzaga e da longevidade de dezenas de marchas criadas nos últimos 20 anos, o São João se revigorava como a festa mais popular do país. Em todos os cantos, havia sempre uma sanfona para reverenciar o santo. Se não, não é São João. "Éramos muito procurados nessa época, uma loucura", conta Mario. Já em 1948, ele gravou um disco só com músicas juninas, quando criou a marcação cantada da quadrilha. Na era do LP, seus discos trariam essa marcação por escrito.A presença constante no rádio e na TV ou pelos discos levava Mario para todos os cantos.
Eram os anos dourados de solistas de nível internacional como Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Luperce Miranda e Altamiro Carrilho, entre muitos - a maioria, intérprete de choros. O sanfoneiro garante que foi o primeiro artista a se apresentar no então território de Roraima, para onde viajou num avião "teco-teco" cuja porta era amarrada com um pedaço de arame. Entre um show e outro, ainda tinha tempo para fazer cinema.
Cinema
Pois é, participou de três filmes: Tristeza do Jeca , Casinha Pequenina e Da Terra Nasce o Ódio. Ao falar de suas aventuras pelos confins do Brasil, Mario é capaz de listar as cidades da fronteira entre Brasil e Venezuela. Em todas fez shows, recebeu aplausos e foi reverenciado como um dos grandes astros da música brasileira. Nunca fazia muita exigência para tocar. Dormia em esteiras, comia o que lhe ofereciam. Numa dessas aventuras, sem querer, acabou como membro convidado da comitiva do presidente paraguaio Higinio Morínigo, em 1946. Tudo começou quando Mario voltava de uma série de shows em Mato Grosso e decidiu conhecer a conturbada Assunção, às vésperas de uma guerra civil. Como não conseguiu o visto, foi orientado a procurar a embaixada do Brasil na capital paraguaia.
Enquanto ensaiava algumas polcas no navio Iris, foi cumprimentado por um brasileiro bem vestido que se identificou como ninguém menos que o embaixador Negrão de Lima, que prometeu lhe fornecer o visto. Impressionado com o sanfoneiro, Lima perguntou se ele não gostaria de tocar no jantar para o presidente paraguaio. Como conhecia Índia e Virgínia, clássicos populares paraguaios, Mario deixou o presidente emocionado. Virgínia era sua canção favorita. O presidente convidou o brasileiro a fazer parte da comitiva. Dinâmico, o sanfoneiro se tornou um pioneiro em "showmício": nas cidades onde o presidente ia passar, ele fazia uma apresentação antes para reunir os moradores locais.
Apresentou-se todas as noites durante 20 dias, sem ganhar um centavo. Bastava-lhe o título de hóspede de honra do presidente paraguaio.O apogeu de Mario Zan aconteceu entre 1954 e 1964, quando ele esteve entre os artistas mais executados das rádios de todo o país. Sempre relacionado ao São João, era lembrado como uma figura indissociável da cultura paulistana. Sobre o São João, lamenta que a música tenha perdido muito de suas características depois da morte de Luiz Gonzaga, em 1989.
"Não precisamos de letras com duplo sentido para alegrar as pessoas", avalia. "Gonzagão foi o rei de tudo isso cantando músicas bonitas, sem apelação de sexo." Mario defende que baião tem de ser alegre, não ofensivo. "Acho que todos deveriam seguir a escola de Gonzaga e usar a música para falar das histórias, dos romances e da cultura do Nordeste", afirma.A única coisa capaz de tirar Mario Zan do sério se chama direitos autorais. Quando o assunto é lembrado, sem perder o humor, ele pede um tempo antes para fumar um cigarro. Tem lá seus bons motivos. Apesar de "Nova Flor" ter estourado já na década de 1940 e se manter como um sucesso permanente na Argentina, no Paraguai e no México - numa viagem recente, o sanfoneiro trouxe 40 CDs com interpretações da música -, além de Estados Unidos e Alemanha, seu autor diz até hoje que os direitos autorais da canção no exterior em cinco décadas não totalizam R$ 50 mil.
Os americanos, ressalta, são os que melhor pagam direitos autorais no mundo. A cada seis meses, Mario recebe entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. "O artista no Brasil é roubado em todas as etapas, os fiscais não mencionam a música da gente, que entra como autor desconhecido." Com mais de cem canções gravadas, os depósitos em sua conta bancária não passam de R$ 500 a R$ 600 por mês. "Os fiscais do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) não passam recibo para os clubes e fazem acertos por um percentual do que teriam de pagar em direitos." Na semana passada, às vésperas do show no Sesc, brigava com o Ecad para liberar 10% do show que faria. No espetáculo, 31 músicas de sua autoria.Até o começo da década passada, Mario Zan mantinha uma rotina cansativa de shows quase diária. Chegava a se apresentar até quatro vezes no mesmo dia.
Longe dos holofotes da televisão, Mario Zan continua a animar centenas ou talvez milhares de festas juninas todos os anos com suas centenas de milhares de CDs que vende todos os anos. Enquanto promete que vai largar o cigarro, mostra sua energia jovial de alguém que se sente recompensado e feliz quando diz que toca para fazer o povo dançar. "Toco o que o povo quer", repete entusiasmado.Sempre que o chamavam de rei da sanfona, Luiz Gonzaga consertava: "Não, eu sou o rei do baião, o rei da sanfona é Mario Zan." E se o rei disse, está dito.
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