Este é um blog dedicado exclusivamente para o caipira, sua música, seus causos enfim tudo que tenha a ver com a vida simples do homem do campo. Aqui vc vai encontrar links para sites que tem interesse no resgate e preservação deste estilo.

quinta-feira, maio 03, 2007

Grandes Compositores

  • Patativa do Assaré:

    "Não tenho tendência política; sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia."

    Patativa do Assaré, em sua Auto-Biografia, presente no site do Clube dos Cordelistas da Internet - CORDELON - Literatura de Cordel.

    Antônio Gonçalves da Silva nasceu no dia 05/03/1909 no sítio Serra de Santana, a 3 léguas da cidade de Assaré-CE e faleceu no dia 08/07/2002 também em Assaré-CE. Foi o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, pequenos proprietários rurais.

    Em 1913, com 4 anos de idade, Antônio ficou cego do olho direito, no período da dentição, devido a uma doença conhecida como "dor-d'olhos". E quando contava 8 anos, em 28/03/1917, faleceu o Sr. Pedro e a pequena propriedade da família acabou sendo dividida entre os 5 filhos que ficaram (quatro homens e uma mulher). Conseqüentemente o menino teve que trabalhar bastante, ao lado do irmão mais velho, para poder sustentar os mais novos, na extrema pobreza em que a família ficou.

    Aos 12 anos de idade foi que Antônio passou a freqüentar uma escola, atrasadíssima por sinal, e na qual passou apenas 4 meses, sem interromper o trabalho na agricultura. Mesmo assim, ele já saiu da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho, livro pelo qual ele foi alfabetizado e, desde então, nunca mais sentou nos "bancos escolares", mas passou a lidar com as Letras, sempre que encontrava algum tempo.

    Desde cedo, Antônio já tinha a paixão pela Poesia: alguém lia os versos e ele "tinha que demorar para ouvi-los"... E, entre 13 e 14 anos de idade, começou a fazer versinhos que falavam sobre as Brincadeiras das Noites de São João, a Queima de Judas, o plantio nas roças e também o "ataque aos preguiçosos" (que deixavam o mato estragar os plantios das roças).

    E, aos 16 anos de idade, Antônio conseguiu uma Viola (a qual havia sido trocada por uma ovelha) e começou a cantar de improviso, de acordo com tradição dos Cantadores Nordestinos. No entanto, nunca quis fazer profissão, apesar de sempre cantar e recitar quando alguém o convidava.

    Em 1928 Antônio viajou para Belém-PA, com José Alexandre Montoril que era primo de sua mãe e morava na Capital Paraense. Foi numa visita ao Assaré-CE, para matar saudades de seu "torrão natal", que José Alexandre havia ouvido falar dos versos do jovem repentista e pediu à Dona Maria que o deixasse ir com ele para Belém-PA, prometendo o custeio das despesas. Apesar de bastante chorosa, Dona Maria confiou o filho ao seu primo que tratou Antônio como se fosse um filho.

    Antônio passou 5 meses em Belém do Pará. Seu primo José Alexandre apresentou-o ao tabelião José Carvalho de Brito, que era nascido no Crato-CE, e que estava trabalhando na publicação de seu livro "O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará" (que, por sinal, possui um capítulo referente ao Patativa do Assaré e o motivo da sua viagem ao Pará). E foi nesse período em Belém-PA que Antônio ganhou de José Carvalho o apelido de "Patativa", dada a pureza de sua poesia comparada com o canto da ave nordestina.

    No Estado do Pará, Patativa apresentou-se nas "colônias" (núcleos de nordestinos que migraram para aquele Estado Brasileiro) e fez também o percurso pela ferrovia de Belém-PA a Bragança-PA. Segundo o próprio Patativa do Assaré em sua Auto-Biografia, "...passei naquele estado apenas 5 meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da Viola com os cantadores que lá encontrei. De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram".

    De volta ao Assaré-CE, seu "torrão natal", visitou a Casa de Henriqueta e Juvenal Galeno, onde Patativa se apresentou numa noite festiva, tendo conhecido o poeta das "Lendas e Canções Populares". E, na Serra de Santana, por outro lado, continuou na mesma vida de pobre agricultor. O próprio Patativa do Assaré nos diz em sua Auto-Biografia: "...desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha; só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará".

    Em 06/01/1936, com 27 anos incompletos, Patativa do Assaré se casou com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha, que lhe deu 14 filhos, 7 dos quais vieram a falecer.

    Em 1940 Patativa passou a se apresentar com Violeiros em sítios e festas no Sertão do Cariri. Conheceu em 1955 José Arraes de Alencar, que transcreveu seus poemas, por meio de Moacir Mota, filho de Leonardo Mota. E em 1956, foi publicado pela primeira vez o livro "Inspiração Nordestina", por Borsi Editor, do Rio de Janeiro.

    Apesar de ser semiletrado, Patativa do Assaré é conhecido e respeitado como sendo um dos maiores repentistas e poetas nordestinos sem no entanto enveredar pela vida itinerante de cantador, mas sim, permanecendo na agricultura. Dedicou-se principalmente ao canto das coisas de sua terra e sua gente.

    Sua primeira composição gravada foi "A Triste Partida", em 1964, na belíssima voz de Luiz Gonzaga, o inesquecível Rei do Baião! Nessa belíssima composição musical, é narrada a triste saga do Nordestino que, sem nenhuma esperança com a seca que castiga o Sertão e a chuva que nunca chega, se vê obrigado a vender barato o pouquinho que possui, botar a família num caminhão, rumo a São Paulo, onde também vive como escravo, sofrendo desprezo, devendo ao patrão... É muito difícil ouvir atentamente os quase 9 minutos desse verdadeiro poema cantado, na voz do Gonzagão, sem que nos venham as lágrimas nos olhos!

    Eis a letra do belíssimo poema que é "A Triste Partida" (Patativa do Assaré):


    Setembro passou, com Oitubro e Novembro
    Já tamo em Dezembro,
    Meu Deus, que é de nóis?
    Assim fala o pobre do seco Nordeste,
    Com medo da peste,
    Da fome feroz.

    A treze do mês ele fez a experiença,
    Perdeu sua crença
    Nas pedra de sá.
    Mas nôta experança com gosto se agarra,
    Pensando na barra
    Do alegre Natá.

    Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
    O só, bem vermeio,
    Nasceu munto além.
    Na copa da mata, buzina a cigarra,
    Ninguém vê a barra,
    Pois barra não tem.

    Sem chuva na terra descamba Janêro,
    Depois, Feverêro,
    E o mêrmo verão
    Entonce o Nortista, pensando consigo,
    Diz: - isso é castigo,
    Não chove mais não!

    Apela pra Março, que é o mês preferido
    Do Santo querido,
    Sinhô São José.
    Mas nada de chuva! Tá tudo sem jeito,
    Lhe foge do peito
    O resto da fé.

    Agora pensando ele ségui ôtra tria,
    Chamando a famía
    Começa a dizê:
    - Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,
    Nós vamo a São Palo
    Vivê ou morrê.

    - Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
    Por terras aleia
    Nós vamo vagá.
    Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
    Cá pro mêrmo cantinho
    Nós torna a vortá.

    E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
    Inté mêrmo o galo
    Vendêro também,
    Pois logo aparece feliz fazendêro,
    Por pôco dinhêro
    Lhe compra o que tem.

    Em um camião ele joga a famía;
    Chegou o triste dia,
    Já vai viajá.
    A seca terrive, que tudo devora,
    Lhe bota prá fora
    Da terra natá.

    O carro já corre no topo da serra.
    Oiando prá terra,
    Seu berço, seu lá,
    Aquele nortista, partido de pena,
    De longe acena:
    - Adeus, Meu lugá!

    No dia seguinte, já tudo enfadado,
    E o carro embalado,
    Veloz a corrê,
    Tão triste, o coitado, falando saudoso,
    Com seu fio choroso
    Escrama, a dizê:

    - De pena e sodade, papai, sei que morro!
    Meu pobre cachorro,
    Quem dá de comê?
    Já ôtro pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
    Com fome, sem trato,
    Mimi vai morrê!

    E a linda pequena, tremendo de medo:
    - Mamãe, meus brinquedo!
    Meu pé fulô!
    Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
    E a minha boneca
    Também lá ficou.

    E assim vão dexando, com choro e gemido,
    Do berço querido
    O céu lindo e azul.
    Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
    E o carro rodando
    Na estrada do Sul.

    Chegaro em São Palo sem cobre, quebrado.
    O pobre, acanhado,
    Percura um patrão.
    Só vê cara estranha, de estranha gente,
    Tudo é diferante
    Do caro torrão.

    Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
    E sempre nos prano
    De um dia vortá.
    Mas nunca ele pode, só vive devendo,
    E assim vai sofrendo
    É sofrê sem pará.

    Se arguma notícia das banda do Norte
    Tem ele por sorte
    O gosto de ouvi,
    Lhe bate no peito sodade de móio,
    E as água dos óio
    Começa a caí.

    Do mundo afastado, ali veve preso,
    Sofrendo desprezo,
    Devendo ao patrão.
    O tempo rolando, vai dia vem dia,
    E aquela famía
    Num vorta mais não!

    Distante da terra tão seca mas boa,
    Exposto à garôa,
    À lama e ao paú,
    Faz pena o Nortista, tão forte, tão bravo,
    Vivê como escravo
    No Norte e no Su.


    Outra belíssima composição de Patativa que alcançou bastante sucesso foi "Vaca Estrela e Boi Fubá", gravada por Fagner em 1980, tendo sido gravada também por excelentes intérpretes tais como Rolando Boldrin, Sérgio Reis e Pena Branca e Xavantinho.

    Apesar de tão pouco tempo nos "bancos escolares", Patativa do Assaré foi Doutor Honoris Causa em três Universidades: a Universidade Regional de Cariri, a Universidade Federal do Ceará (UFCE) e a Universidade Tiradentes de Sergipe. Mesmo sem estudo, discutia com maestria a arte de versejar. Patativa também lançou quatro livros de poesias: "Inspiração Nordestina" (1956), "Patativa do Assaré" (1970), "Canto da Patativa" (1976) e "Cante Lá Que Eu Canto Cá" (1978).

    A poesia intuitiva e de alto teor social que Patativa do Assaré escreveu passou a ser estudada a partir da década de 1970 pela cadeira de Literatura Popular Universal, na Universidade da Sorbonne na França.

    Em 1979, com a produção do cantor cearense Raimundo Fagner, a gravadora Epic (hoje Sony Music) lançou o LP "Patativa do Assaré", no qual o poeta declama versos de sua autoria, dentre os quais: "A Triste Partida", "O Retrato do Sertão", "Lamento de um Nordestino" e "Casinha de Palha", entre outros.

    E, em 1981, também com a produção de Fagner, Patativa lançou pela CBS (hoje Sony Music) o segundo LP, também com declamação de poemas de sua autoria, dentre os quais "A Terra É Naturá".

    Em 1995, em Fortaleza-CE, por ocasião do recebimento da medalha José de Alencar, que o homenageou pelos seus 85 anos de vida, foi lançado o LP "Patativa do Assaré: 85 anos de poesia".

    Consta que em 2002 foram relançados em CD os dois LPs gravados em 1979 e 1981 numa parceria da Fundação Demócrito Rocha e da Fundação Raimundo Fagner.

    Entre diversas dificuldades em sua trajetória, Patativa do Assaré sofreu também um atropelamento na avenida Duque de Caxias em Fortaleza-CE no dia 13/08/1973, acidente esse que lhe deixou seqüelas e ele passou a usar uma perna mecânica. E, no dia 15/05/1994, perdeu sua esposa, a Dona Belinha que veio a falecer nesse dia, após 58 anos de casamento.

    Patativa do Assaré também atuou politicamente, tendo sido perseguido durante o regime militar. E, no ano de 1984, participou da campanha pelas "Diretas Já", tendo subido no palanque em Fortaleza para declamar seus poemas ao lado de diversos políticos brasileiros. E em 1986 apoiou a candidatura de Tasso Jereissati ao governo do Estado do Ceará.

    Mas Patativa do Assaré sempre se manteve ativo em seus 93 anos de vida, tendo participado de diversos eventos, tais como o "Seminário 80 Anos de Patativa do Assaré" (1989), além de "Patativa do Assaré - 80 Anos de Vida e Poesia" (30/11/1989 no BNB Clube em Fortaleza-CE). Apresentou-se juntamente com Téo Azevedo, no teatro das Nações em São Paulo-SP e, juntamente com Fagner no Memorial da América Latina, também na Capital Paulista, no mesmo ano de 1989.

    Patativa participou também do evento "Fortaleza das Violas" no BNB Clube nos dias 26 e 27/01/1990 como convidado especial juntamente com Otacílio Batista e Geraldo Amâncio. E, em 1993, teve participação na novela "Renascer" na Rede Globo e, no mesmo ano, foi também entrevistado pelo Jô Soares, no "Jô Onze e Meia" que na época ia ao ar pelo SBT. Lançou também em 20/11/1993 a "Caixa Cordéis do Patativa" (editada pela SECULT, com apoio da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte, na Casa de Juvenal Galeno, em Fortaleza-CE).

    E em 1999 por ocasião da comemoração de seus 90 anos, foi inaugurado o Memorial Patativa do Assaré, em sua cidade natal, no Estado do Ceará.

    E, em 1993, Patativa do Assaré foi internado três vezes com problemas pulmonares e também na vesícula. E esse Poeta e Repentista que soube colher como poucos a poesia da terra seca e do povo humilde do Sertão do Ceará, deu seu último suspiro no dia 08/07/2002, em Assaré, sua cidade-natal, após falência múltipla dos órgãos após tanto sofrimento com pneumonia dupla, infecção na vesícula e problemas renais. Seu corpo repousa no Cemitério São João Batista, em Assaré-CE.

    Clique aqui e veja uma Cronologia da Vida de Patativa do Assaré que faz parte do Jornal de Poesia a cargo de Soares Feitosa.

    Clique aqui e veja um artigo intitulado "Patativa do Assaré, o Pássaro Repentista e Seus 90 Verões de Gorjeio Poético" no site Música Nordestina que é um Projeto Experimental em Comunicação pelos alunos Cláudio Carvalho Moreira e Zezão Castro da Universidade Federal da Bahia - UFBA.

    Algumas composições de Patativa do Assaré:

  • Adeus (Patativa do Assaré)
  • A Estrada Da Minha Vida (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • A Triste Partida (Patativa do Assaré)
  • Barriga Branca (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Cada Um No Seu Lugar (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Cante Lá Que Eu Canto Cá (Patativa do Assaré)
  • Casinha De Palha (Patativa do Assaré)
  • Dor Gravada (Patativa do Assaré)
  • Lamento De Um Nordestino (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Mãe Preta (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Maria Gulora (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Menino De Rua (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • O Inferno, O Purgatório E O Paraíso (Patativa do Assaré)
  • Óios Redondo (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • O Poeta Da Roça (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • O Rádio ABC (Patativa do Assaré)
  • O Retrato Do Sertão (Patativa do Assaré)
  • Poética (Patativa do Assaré)
  • Rosa e Rosinha (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Saudade (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Senhor Doutor (Patativa do Assaré)
  • Um Cearense Desterrado (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
  • Vaca Estrela E Boi Fubá (Patativa do Assaré) Interpretada pelos Violeiros Matutos (11)
  • Viva O Povo Brasileiro (Patativa do Assaré - Téo Azevedo)
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